top of page
Aluna Seigan Dojo Jéssica Pires

Em Busca do Caminho da Verdade

Introdução

Jéssica Pires Ramalho

Niterói, RJ, 2017

Nada é por acaso, e nesse pensamento que carrego em mim desde que me entendo por gente, muitas coisas são explicadas, inclusive minha trajetória no Aikido.

Se bem me lembro, desde criança busquei encontrar minha fé e Deus em todo lugar, porém, quanto mais procurava, mais longe parecia estar.

Frequentei igrejas protestantes com minha prima, pedi para ir ao centro espírita com amigos que conhecia, frequentei a organização Sri Sathya Sai Baba junto com minha tia, cheguei a começar a primeira comunhão na igreja católica. O que mais me agradou foi a organização Sri Sathya Sai Baba, pois não se tratava de uma religião, e sim dos ensinamentos que um homem lá do outro lado do mundo, na Índia, pregava sobre amor e comunhão da humanidade.

 

Há uma só religião, a religião do amor. Há uma só linguagem, a linguagem do coração. Há uma só raça, a raça da humanidade. Há um só Deus, e Ele é onipresente.”

– Sathya Sai Baba

 

Nada que as outras organizações que visitei também não fizessem, porém, a faziam de maneira formal e ritualizada, o que não me agradava nem um pouco quando mais jovem, sem falar da maneira como a palavra Deus era exposta para mim, como se fosse um ser pensante que por livre e espontânea vontade estabeleceu o mundo e todas as criaturas como conhecemos.

Eu, sendo uma criança voltada para as ciências exatas, e consequentemente com raciocínio bastante lógico, não conseguia entender de jeito nenhum o que era esse Deus que ajudava tanto na vida das pessoas.

Lembro-me de estar na aula da catequese, e não saber o porquê daquilo, afinal, tudo que a professora falava não fazia o menor sentido para mim. Mas ao mesmo tempo, sabia que era indelicado fazer certos tipos de pergunta.

Com toda essa confusão e decepção em minha busca por Deus, acabei virando atéia.

E assim permaneci por toda minha adolescência, não me recordo muito bem de quando deixei de ser, porque meu caminho espiritual foi se revelando aos poucos para mim. Sem eu notar, minha busca verdadeira me guiou por caminhos que me levaram a Deus, e o Aikido, sem dúvidas, foi um deles.

Capítulo I – Meu Caminho

Quando entrei no Aikido, tinha 15 anos, muita energia e vontade de saber me defender. Meu pai ajudou na busca de uma arte marcial, e encontrou o Seigan Dojo, que “por acaso” era praticamente do lado da escola em que estudava.

Começamos a treinar eu e minha irmã, e lembrando agora de uma coisa que os Senseis já falaram muitas vezes, sobre as pessoas mostrarem quem elas são quando entram no tatame, acho que era bem evidente nossas diferenças naquela época e ficaram mais claras ainda nos treinos.

Por ironia do destino, tínhamos Sensei Paulo e Sensei Carlos, que são irmãos e também muito diferentes dentro e fora do dojo, e logo se percebeu que nos alinhávamos cada uma com um Sensei. Eu, muito bruta, gostava de marcialidade durante os treinos, como Sensei Paulo. Minha irmã, mais delicada e como dizia Sensei Carlos, pura técnica, o lado da arte muito mais aflorado.

Tais diferenças nos afastavam muito na vida fora do tatame, estávamos sempre brigando e não conseguia ter uma relação saudável com ela. Com o passar dos anos e treinos, minha compreensão sobre nossa relação e diferenças de opiniões se tornaram mais claras, possibilitando um melhor relacionamento. Algo que me ajudou bastante foi o fato do dojo ser composto por pessoas muito diversas uma das outras, com pensamentos totalmente contrários e mesmo assim se harmonizarem de alguma maneira formando um grupo muito sólido.

Aos poucos, outro benefício inusitado aconteceu, o Aikido, os Senseis, todos que treinavam com a gente, deixaram de ser amigos de treino e começaram a ser família, já não imaginávamos nossas vidas sem todos eles.

Infelizmente minha irmã parou de treinar depois de alguns anos, quando estava na faixa verde, mas claro, não perdendo o contato com todos. Tenho certeza que se tivesse continuado estaria em um nível muito mais elevado que o meu, espero que ela volte a praticar um dia. Mas para minha felicidade e de todos do nosso dojo, minha mãe começou a praticar, com certeza foi e é um incentivo até hoje, afinal, agora somos uma família de praticantes de Aikido.

Treinávamos intensamente, praticamente todos no dojo eram maiores que eu, porém não gostava que me tratassem diferente por ser mulher ou mais fraca fisicamente. Com o passar dos anos, percebi que as manchas roxas que ficavam após os treinos começaram a diminuir, não porque o treino estava mais leve, mas sim pelo polimento que estava ocorrendo. O que me lembra uma frase de um grande filósofo chinês chamado Confúcio:

 

“A pedra preciosa não pode ser polida sem fricção, nem o homem aperfeiçoado sem provação”

― Confúcio

 

Essa frase me fez compreender hoje a importância dos treinos, dos momentos em que senti dificuldade, seja tecnicamente, ou com situações em que somos colocados à prova. Somente com a superação de nossos limites, e enfrentamento de nossas dificuldades, é que nos aperfeiçoamos.

Com uma frase do querido “Seu João” em sua monografia de Shodan, resumo o que mudou em minha vida após o envolvimento com a arte:

 

“Vim a entender que o Aikido, também, nos torna mais fortes espiritualmente, mais focados nos deveres e mais amigo dos amigos.” 

― Seu João

 

Alguns anos atrás escrevi um pouco sobre o Aikido para um trabalho de inglês, e lendo ele hoje, coincide com as palavras do Seu João em sua monografia.  Dizia nele as mudanças por mim observadas após um período de treinamento, que foram: “ Sinto meu corpo mais forte e centrado, demoro muito mais para perder a calma, a cada dia faço mais amigos e me sinto melhor preparada para lidar com todos os tipos de problemas que tenho em minha vida. ”

Quem lê isso e não conhece o Aikido, pode até se perguntar, mas que tipo de arte marcial é essa que traz tantas mudanças positivas na vida de uma pessoa? O que é Aikido afinal? Lembro-me que no começo essa era a pergunta que mais me dava medo de responder, caso fosse feita em algum exame de faixa. Não entendia, não era óbvio?   É uma arte marcial! Não saberia o que falar, além disso.    

Hoje, não temo mais essa pergunta. Não por saber respondê-la exatamente, mas por entender que é uma pergunta tão complexa, tão além do óbvio, que não existe resposta certa ou errada. Existe a busca, o caminho, mas no começo, esse caminho estava escuro para mim, não conseguia enxergá-lo. Atualmente posso dizer que o vejo se clareando, e com isso entendo também quando os Senseis diziam que a faixa preta é o primeiro degrau, é quando você começa a enxergar alguma coisa.

Capítulo II – Caminho de Kannagara

Acredito eu que Sensei Ueshiba, assim como Buda, Jesus e outros mestres, atingiu uma espiritualidade muito alta, despertando para outro nível de consciência, o chamado Satori. Como Sensei Wagner disse no prefácio de Ensinamentos Secretos do Aikido:

 

“A verdade é uma só e os grandes homens, em essência, simplesmente perceberam

coisas similares; o que difere é a forma de explicá-las.”

 

Através de sua percepção e conexão com o universo, essa verdade fluiu naturalmente na forma do Aikido, assim como uma flor desabrocha na primavera, ou como o sol nasce todas as manhãs. Ô Sensei não criou uma arte marcial, somente serviu de canal para mais uma manifestação divina no mundo material, com o objetivo de ajudar as pessoas, no que concerne a sua visão, explicitada na frase a seguir:

 

“Todo mundo possui um espírito que pode ser refinado, um corpo que pode ser treinado de alguma maneira,

um caminho adequado a seguir. Você está aqui para realizar sua divindade interior e manifestar sua iluminação inata.”

― Morihei Ueshiba

     

O treinamento do Aikido visa a tudo o que foi dito nessa frase, através das técnicas físicas forja o corpo, unindo-o aos padrões universais da Natureza; após, com as técnicas mentais aprendemos a unir nossa mente com as verdades do Universo, e finalmente entendemos como unificar corpo, mente e ki com o Universo, como um ser único e integrado.

Como dito no livro Os Fundamentos Espirituais do Aikido:

“O-Sensei prescreveu três estágios de treinamento para seus alunos. O primeiro coloca a mente em ordem, ou seja,

em harmonia com a atividade universal. Isso faz da mente um servo submisso da vontade, para que não seja mais

movida pelos sentidos ou pelos caprichos do ego. É o masakatsu a apreciação correta e a percepção direta que tornam possível

o movimento espontâneo. É a intenção correta, o fundamento de toda a formação espiritual. O segundo estágio harmoniza o corpo,

todo o nosso ser, com a mesma ordem universal. Essa unificação de corpo e mente ou shin shin toitsu é o início do autodomínio,

agatsu. O estágio final coloca o ki, que unifica a mente e o corpo, em harmonia com a ordem universal. Nesse estágio, a pessoa

perde a noção de saber qualquer coisa: toda a capacidade desaparece. Não há nenhuma diferença entre uma pessoa e outra

qualquer. O-Sensei referia-se a isso como katsu hayabi.”

– William Gleason

Como dito acima, o treinamento faz uma limpeza, o chamado Misogi, limpeza de pensamentos impuros, movidos pelo ego, para criar espaço para acontecer a conexão  (Mussubi) com o divino, a fusão da vontade de uma pessoa com a do espírito universal.

Assim, a prática desta arte marcial, nos leva ao autoconhecimento, mesmo que essa não seja a primeira intenção do praticante ao iniciá-la. Porém, a partir de um certo ponto, depende de nós mesmos a busca pela evolução espiritual dentro e fora do tatame, para o progresso conjunto com o físico.

Conclusão

Cada um possui seu caminho próprio de compreensão, evolução. Porém, para trilhá-lo é necessária a busca, ou melhor, a intenção, a vontade. Somente através da pura e verdadeira intenção, o caminho se revelará. Não será tão óbvio no início, mas quando começamos a compreender que não é para entender, apenas vivenciar, as coisas começam a fazer mais sentido.

A prática do Aikido ajuda a nos fazer sentir, ao invés de raciocinar, e entender que cada um cria sua própria vida, somos responsáveis pela situação a qual nos encontramos. Se há algo com o qual somos infelizes, devemos mudar a nós mesmos. Tal pensamento só ocorre com a experiência e uma aceitação total da nossa própria natureza, exatamente como somos.

A partir dessa percepção nos tornamos mais propensos a receber, e aí que começa o exercício interno verdadeiro.

Como disse na introdução, nada é por acaso, minha busca sincera me levou ao Aikido, que me mostrou quem eu sou, me mostrou Deus, confirmando o que Ô-Sensei disse nesta bela frase:

 

“Quando você se curva para o universo, ele se curva para você; quando você invoca

o nome de Deus, ele ecoa dentro de você.”

― Morihei Ueshiba

 

Enfim, o Aikido não é o único caminho, assim como a religião tal não é melhor nem mais verdadeira que outra. Todos as diferentes crenças e práticas levam a uma só verdade, a do amor.  Ame todas as coisas e todo mundo.

Agradecimentos

Gostaria de agradecer ao Tao, e com isso já encerraria meus agradecimentos a tudo e todos, porém não seria justo não falar de certas pessoas mais especificamente, portanto:

Primeiramente agradeço ao Sensei Ueshiba, por compartilhar com o mundo sua iluminação, e com isso ajudar milhares de pessoas, incluindo a mim, a encontrarem e seguirem o seu próprio caminho, de acordo com a energia criativa cósmica, ou universo.

Também quero agradecer aos meus Senseis, Paulo e Carlos, se não fosse pelo esforço e vontade deles eu não estaria aqui hoje. Não tenho palavras para agradecer por todos os ensinamentos repassados, sejam eles dentro ou fora do tatame. Sou muito feliz por fazer parte da família Seigan, construída com muito amor e verdade pela família Cirto, e poder dizer que tenho mais dois pais emprestados.

Gostaria de agradecer ao Sensei Wagner Bull também, por ter vislumbrado a essência do Aikido, ter lutado e dedicado sua vida a mostrá-la e desenvolvê-la de acordo com a vontade de Ô-Sensei, principalmente no Brasil, e junto ao Sensei Wagner, agradecer ao seu filho Alexandre Bull, por enxergar o mesmo que seu pai e continuar o seu legado.

Quero agradecer também ao meu Senpai, o cara mais cabeludo do dojo, o Juliano. A quem me inspirou muito, me ensinou bastante dentro e fora do tatame, o maior exemplo de lealdade e dedicação para o dojo.

E tendo em conta da tamanha importância da relação Uke e Nague no desenvolvimento do Aikido, não posso deixar de agradecer a cada uma das pessoas que um dia treinaram comigo, todos os meus parceiros diários de treino no Seigan Dojo, e os de treino esporádico do Yamato, Hikari, Kitogi, Dojo Central e muitos outros.

Não posso deixar de agradecer a minha família, meu pai Cláudio por acompanhar de perto todos os meus passos e me incentivar sempre a ser a melhor versão de mim, minha mãe com sua calma e bondade, por me mostrar a tolerância e o caminho do amor, minha irmã por ser a pessoa que mais entende nossa família e me fazer sentir que não estou sozinha nisso tudo, minha tia por ser minha segunda mãe e me ensinar que a vida é muito curta para nos levarmos tão a sério, e todos mais próximos a mim, a quem devo tudo que sou hoje.

A todos e todas que foram citados aqui, o meu muito obrigada, amo muito vocês.

Bibliografia

Ensinamentos Secretos do Aikido – Morihei Ueshiba – Editora Cultrix, 2010.

 

Os Fundamentos Espirituais do Aikido – William Gleason – Editora Pensamento, 2000.

O Espírito do Aikido – Kisshomaru Ueshiba – Editora Cultrix, 2011.

 

Aikido Evolução Passo a Passo – Moriteru Ueshiba – Editora Pensamento -Cultrix, 2009.

bottom of page